Identificando Autógrafos em Cédulas Brasileiras do Cruzeiro (1943-1953)

Figura 1 - funcionário da Caixa de Amortização autografando cédulas do cruzeiro em 1952 (fonte: jornal A Noite (RJ), 24 de abril de 1952 - Hemeroteca Digital Brasileira).

 

Nos últimos anos, nos dedicamos a identificar os signatários das cédulas brasileiras emitidas desde os anos iniciais do Império, até os primeiros cinquenta  anos da República. Tivemos resultados bastante satisfatórios, os quais foram publicados nos boletins da Sociedade Numismática Paranaense, números 71, 73 e 82.

 

Nossas pesquisas continuam. Desde 2020 nos debruçamos em identificar os nomes dos funcionários da extinta Caixa de Amortização que autografaram cédulas brasileiras do cruzeiro, entre os anos de 1943 e 1953. Neste artigo, trazemos novidades, ainda mais quando levamos em consideração as adversidades que tivemos para obtermos alguns resultados.

 

Como diz o ditado: “todo bônus tem seu ônus”, conseguimos associar poucos nomes aos seus respectivos autógrafos, vez que ainda não temos acesso à documentação de pessoal da Caixa de Amortização. Na verdade e particularmente, sequer sabemos se ela ainda existe; e não só isso, temos em dúvida se na década mencionada havia controle das cédulas que iam sendo autografadas, ou seja, associação de determinadas cédulas/séries/números a determinado funcionário.

 

Por outro lado, somos gratos à oportunidade de pesquisarmos na Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional. Usando as palavras-chave “Caixa de Amortização” e “papel-moeda”, combinadas ao período de 1940-49 e 1950-59, tivemos cerca de 600 resultados, em diversos periódicos - jornais principalmente, os quais foram filtrados, chegando aos nomes que serão apresentados mais adiante.

 

Uma grata surpresa para nós foi sabermos que temos mulheres dentre o grupo de signatários. Sabíamos que elas ocupavam os quadros da Caixa de Amortização, pelo menos desde a década de 1920, mas a informação clara de que também autografaram, nos trouxe alegria e agradável surpresa. Nisso quero agradecer ao meu amigo Ruy Peretti. Em conversas que tivemos, ele levantou a possibilidade de pelo menos um autógrafo ser de uma funcionária que ainda não identificamos com total certeza,  embora, com nome similar, encontramos alguém com função e histórico na Caixa de Amortização; mas, ao que tudo indica, se chamava “Y. Cardoso” (Yvanete?) (Figura 2).

 


Figura 2 - autógrafo de “Y(vanete?). Cardoso”. Em nossas pesquisas, encontramos uma escriturária da Caixa de Amorização chamada Ivanete (com I) Cardoso, nomeada em 1944. É possível que o prenome tenha sido grafado errado no periódico, o que também verificamos para outros resultados (Fonte: jornal Diário de Notícias (RJ), 3 de junho de 1944).

 

Neste artigo, lançamos mão de identificarmos autógrafos que não foram observados em cédulas de nosso acervo, mas que muito provavelmente existem ou que foram observados em cédulas do cruzeiro. Falamos de assinaturas apostas nas Obrigações de Guerra emitidas pelo governo federal a partir de outubro de 1942 como forma de se financiar o esforço de guerra brasileiro ao lado dos Aliados (Estados Unidos, Reino Unido e outros países). Tais Obrigações de Guerra ficaram a cargo da Caixa de Amortização, por isso, eram subscritas pelos mesmos funcionários que assinavam cédulas.

Assim, acreditamos ser importante considerar essas assinaturas, como forma de complementar esse trabalho e auxiliar aos colecionadores que, desejando, poderão anotar maior número de signatários das cédulas do cruzeiro. Onde identificamos igual autógrafo tanto em cédulas quanto em Obrigações de Guerra, exibiremos ambas as imagens, como tentativa de ratificar a identificação.

Além de imagens das assinaturas, apresentamos alguns dados profissionais e/ou biográficos dos signatários, que conseguimos levantar, pois consideramos importante conhecer um pouco mais de cada pessoa que trazemos a lume neste artigo. Aqui abrimos um parêntese: jornalistas do periódico  A Noite, publicado na então capital federal, Rio de Janeiro, frequentavam o prédio da Caixa de Amortização em busca das mais diversas informações. E nisso, de dados administrativos a informações de foro íntimo dos funcionários (incluindo problemas de relacionamento) eram publicados nas páginas daquele jornal; daí, obtemos algumas informações mais aprofundadas.

Antes de prosseguirmos, vale uma revisão acerca da prática de se autografar cédulas no Brasil. Ela se iniciou em 1835, com as cédulas emitidas pelo Tesouro Nacional. Segundo Florisvaldo Trigueiros (2008), o autógrafo era “elemento de autenticidade” da cédula, tornando-a “legalmente emitida”, e sempre dado por funcionários da Caixa de Amortização, repartição pública criada em 1827. Durante todo o período imperial e nas primeiras duas décadas republicanas, as assinaturas eram apostas na margem inferior da nota, na direção horizontal. A partir de 1910, a Junta Administrativa da Caixa de Amortização determinou que os autógrafos passassem a ser aplicados na direção diagonal da cédula, da esquerda à direita, prática levada a efeito até 1953, quando foi descontinuada em razão da adoção de microchancelas (autógrafos impressos em tamanho diminuto) (Trigueiros, 2008, p. 164).

Quando da circulação das cédulas do cruzeiro, era costume os fabricantes American Bank Note Company (a partir de 1943) e Thomas de La Rue & Company (a partir de 1949) enviar à Caixa de Amortização cédulas em pacotes com 500 unidades cada, em numeração sequencial. Conforme pudemos verificar nos periódicos que pesquisamos, chegando ao Brasil, essas remessas eram conferidas e armazenadas, sendo autografadas à medida em que surgia a demanda por mais papel-moeda. Assim, o funcionário da Caixa de Amortização (de qualquer cargo, desde contínuos ao Diretor) pegava um pacote e assinava as notas uma a uma. Nos anos 1950, cada funcionário autografou, diariamente e em média, 2000 notas, ou 4 pacotes, conforme mostramos na primeira ilustração (A Noite (RJ), 24 de abril de 1952; Trigueiros, 2008).

Outro dado interessante é o seguinte: cada série era composta por 100.000 cédulas. Como eram produzidos pacotes com 500 notas, conclui-se a existência de 200 pacotes por série, com numerações 000001 a 000500; 000501 a 001000 e assim por diante, até 099501 a 100000. Além disso, no início de 1950 a Caixa de Amortização contava com 200 a 220 trabalhadores aptos para autografar. Assim, em uma única série, temos inúmeras possibilidades, desde 200 assinaturas diferentes a número inferior, vez que verificamos em nossa coleção mesma assinatura em igual série, mas pacotes distintos. Uma curiosidade: a maioria das assinaturas foi feita em caneta de cor preta; na cor azul são menos recorrentes.

A despeito deste extenso parêntese, consideramos importante repassar esse conhecimento principalmente quando levamos em conta que novos colecionadores desse nicho podem necessitar de subsídios informativos.

Isto posto, vamos aos autógrafos identificados:


Figura 3 - ALAÍDE ALVES LACÊ BRANDÃO, Escriturária no Ministério da Fazenda a partir de 1943 (Fonte: Jornal Diário de Notícias (RJ), 3 de janeiro de 1943).

 



Figura 4 a,b - ÁLVARO BORGES, funcionário no Ministério da Fazenda pelo menos desde 1932 (Fonte: Boletim Eleitoral, novembro de 1932).

 



Figura 5 a,b - ANGELINA ACLEA KASCHER, Escriturária do Tesouro Nacional, nomeada em 1941 e transferida para a Caixa de Amortização em 1943 (Fontes: jornais O Imparcial (RJ), 15 de junho de 1941 e  Diário de Notícias (RJ), 24 de julho de 1943).

 



Figura 6 a,b - ATTILA SCHULTZ RIBEIRO, Escriturário da Caixa de Amortização desde 1914. Aposentou-se depois de 1950 (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 


Figura 7 - DAISI DA SILVA PAULA, Escriturária da Alfândega de Manaus (AM), transferida para a Caixa de Amortização em 1943 (Fonte: Jornal A Noite (RJ), 24 de julho de 1943).

 


Figura 8 - ELZA PARRINI LOUREIRO, Escriturária do Ministério da Fazenda nomeada em 1941; exercia essa função ainda em 1952, quando foi promovida por Ato da Presidência da República (Fontes: jornal Diário de Notícias (RJ), 8 de maio de 1941 e 11 de novembro de 1952).

 



Figura 9 a,b - GLADSTONE RODRIGUES FLORES, ingressou como Escriturário em 1910. Foi Diretor da Caixa de Amortização de 1934 a 1946 (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 


Figura 10 - LÉO ESPOSEL, Escriturário da Caixa de Amortização na década de 1940. Não há informações sobre quando foi nomeado. Sua passagem por aquela Repartição deve ter sido breve, pois em julho de 1946 foi nomeado Agente Fiscal do Imposto do Consumo / Ministério da Fazenda (Fonte: jornal Diário de Notícias (RJ), 21 de julho de 1946).

 



Figura 11 a,b - LUIZA SERRA DE MENEZES, Escriturária do Ministério da Fazenda, nomeada em 1943 (Fonte: Jornal Correio da Manhã (RJ), 10 de janeiro de 1943).

 


Figura 12 - MARIA DO CARMO DA CÂMARA SAMICO, Escriturária da Alfândega de Manaus (AM), transferida para a Caixa de Amortização em 1943 (Fonte: Jornal A Noite (RJ), 24 de julho de 1943).

 


Figura 13 - ODILZA RAMOS PESSIONE, Escriturária do Tesouro Nacional desde 1941, foi removida para a Caixa de Amortização em 1943. Nascida no Mato Grosso (c.1905), faleceu no Rio de Janeiro em 1982 (Fonte: jornal A Noite (RJ), 13 de março de 1943).

 


Figura 14 - POLYBIO AFFONSO ALVES, ingressou como Fiel de Tesoureiro na Caixa de Amortização em 1931 (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 


Figura 15 - ROBERTO VELASCO KOPP, Militar, Escriturário do Tesouro Nacional a partir de 1942, posteriormente transferido para a  Caixa de Amortização (Fonte: Diário de Notícias (RJ), 22 de agosto de 1942).

 


Figura 16 - SAMUEL JOSÉ PESSOA VALENÇA, 3º Escriturário na Caixa de Amortização desde 1927 (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 

Possíveis identificações?       

As imagens a seguir são de autógrafos que não podemos identificar com plena certeza. Todavia, considerando o número de servidores da Caixa de Amortização, a possível inexistência de homônimos naquela repartição, existe a possibilidade de estarmos diante de cédulas assinadas por:

 


Figura 17 - provavelmente FELICIANO CHRISTOVAM DA FONSECA, eletricista na Caixa de Amortização pelo menos desde 1932 (Fonte: Boletim Eleitoral, novembro de 1932). 

 


Figura 18 - provavelmente PEDRO MONTEIRO DE ALMEIDA NETO, escriturário que em 1941 foi designado para atuar na Recebedoria do Distrito Federal. Em 1946, estava lotado na Caixa de Amortização (Fontes: jornal Diário de Notícias (RJ), 19 de julho de 1941 e 30 de maio de 1946).

 


Figura 19 - provavelmente ROMEU GOMES DE PAIVA, Conferente de Valores nomeado em outubro de  1943 (Fonte: Diário de Notícias (RJ), 6 de outubro de 1943).

 

Por fim, acrescentamos 4 imagens de assinaturas de funcionários da Caixa de Amortização que foram identificadas nas Obrigações de Guerra. Considerando que elas são contemporâneas às cédulas do Cruzeiro, é bastante provável que também sejam encontradas nas citadas notas. Assim, finalizamos o trabalho com mais este subsídio aos colecionadores de cédulas autografadas.

 


Figura 20 - ALBANO G. ISSLER - ingressou na Caixa de Amortização em 1929; nomeado membro da Junta Administrativa em 1934. Durante todo o tempo em que trabalhou nesse órgão, presidiu  a todos os atos de incineração de papel-moeda inutilizado. Na década de 1940 era delegado representante da Associação Comercial do Rio Grande do Sul, seu estado de origem.

 


Figura 21 - ALBERTO LUSTOSA MUNHOZ - nomeado 3º Escriturário na Caixa de Amortização em 1918 (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 


Figura 22 - EMILIO DELFINO DOS SANTOS - em 1922 trabalhou no Tesouro Nacional. Em 1931 exercia a função de Tesoureiro na Caixa de Amortização. Casou-se, em 1940, com sua colega de repartição, Altair Cirne Maia. Faleceu em 1948.

 


Figura 23 - ORLANDO ÁVILA - ingressou como 4º Escriturário da Caixa de Amortização em 1934  (Fonte: Almanak Laemmert, 1891-1940).

 

 

Em nossas pesquisas, descobrimos que na década de 1950, o número de funcionários aptos a autografar cédulas era entre 200 e 220 pessoas. Os jornais da época davam conta que, ainda com tal número de signatários, a demanda por cédulas novas no país era muito grande - 500.000 notas por dia, para ser exato. Isso talvez explique a razão para encontrarmos apenas “riscos” ou “vistos” nas cédulas com séries mais altas, dentre as autografadas. De fato, os funcionários da Caixa de Amortização não podiam assinar com mais “primor”; o tempo e o consumo diário de cédulas não o permitiam.

Como de costume, concluímos este texto convidando aos leitores para um diálogo acerca dessas novas informações. Ao mesmo tempo, lembramos que elas não refletem a verdade absoluta e que podem ser questionadas. Quem sabe, com mais colecionadores se interessando pelo tema e com mais pesquisas e novos resultados, poderemos ter a oportunidade de identificar novos signatários nas cédulas do cruzeiro.

 


Fontes das Figuras :

Todas as cédulas são da coleção do autor.

Figuras modificadas das assinaturas em Obrigações de Guerra foram obtidas da Internet.

 

Fontes consultadas:

Todas as fontes a seguir, com exceção das duas últimas, foram consultadas na Hemeroteca Digital Brasileira - Fundação Biblioteca Nacional - https://memoria.bn.gov.br/hdb/periodico.aspx

 

ALMANAK LAEMMERT - Anuário Administrativo Mercantil e Industrial, 1891-1940 (RJ). Caixa de Amortização. Rio de Janeiro, 1940.

CORREIO DA MANHÃ. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1943, p. 6.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS (RJ). Atos do Governo Provisório. Rio de Janeiro, 13 de julho de 1934, p. 4.

______. Outro caso de indisciplina. Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1934, p. 2.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 8 de maio de 1941, p. 6.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 19 de julho de 1941, p. 4.

______. Serviço do Pessoal do Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942, p. 6.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1943, p. 4.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1943, p. 4.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 24 de julho de 1943, p. 4.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1943, p. 4.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 3 de junho de 1944, p. 5.

______. No lar e na sociedade. Rio de Janeiro, 30 de maio de 1946, p. 3.

______. Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 21 de julho de 1946, p. 4.

______. No lar e na sociedade. Rio de Janeiro, 3 de outubro de 1948, p. 3.

______. Promoções no Ministério da Fazenda. Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1952, p. 5.

O IMPARCIAL (RJ). Administração. Rio de Janeiro, 15 de junho de 1941, p. 6

A NOITE (RJ). Atos do Presidente da República. Rio de Janeiro, 13 de março de 1943, p. 4.

______. Faleceu repentinamente o Tesoureiro da Caixa de Amortização. Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1948, p. 4.

______. 500 mil notas são consumidas por dia! Rio de Janeiro, 24 de abril de 1952, primeira página.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Boletim Eleitoral - Caixa de Amortização, novembro de 1932.

TRIGUEIROS, Florisvaldo dos Santos. Dinheiro no Brasil. 3ª edição. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2008.


Contato do autor: [email protected]